Em 2009 convidei o Avinash Kaushik a vir a Portugal pela primeira vez. O motivo da sua vinda foi a participação como keynote speaker naquele que foi, até à data, o único evento realizado no nosso país dedicado particularmente à temática da medição online.
Avinash Kaushik é reconhecidamente uma das grandes referências da economia digital como orador, analista e consultor, tendo assumido durante algum tempo o papel de “Google Analytics Evangelist”, promovendo activamente a plataforma de análise web mais popular do planeta. E fê-lo de forma tão dinâmica que ainda hoje quando se aborda simplesmente o termo Analytics, uma boa parte do mercado apenas considera na sua mente o produto da Google, embora a amplitude do tema vá muito para lá da ferramenta, posicionando-se hoje como uma função crucial para qualquer negócio.
O principal tópico presente no discurso de Avinash foi a força do conceito “Data-Driven Decision Making”, como o fio condutor que deve mudar atitudes e mentalidades no seio da organização. Para ele é impensável que uma empresa consiga crescer no seu ambiente competitivo sem aprender a usar o conhecimento nas mais variadas frentes do negócio, fundamentalmente, na relação com os clientes. Apesar de ter conseguido agarrar a audiência através de palavras bastante provocadoras e envolventes, dentro do seu estilo, não pude deixar de comentar no final do evento, em jeito de conclusão e desafio, que os próximos anos não seriam suficientes para alterar o baixo nível da cultura analítica existente no mercado português.
Há 5 anos atrás não era ainda demasiado evidente a força dos instrumentos que hoje arbitram a economia digital, como as plataformas de media social, a tecnologia mobile (em serviços e equipamentos) e a própria evolução da Internet (em pesquisa, conteúdos e acesso), que, no seu conjunto, revolucionaram e redireccionaram algumas das ideias, opiniões e estratégias que serviram de exemplo ao discurso do Avinash em Lisboa.
Mas esta revolução apenas veio dar maior enfoque à essência do conceito introduzido, relativamente à importância dos dados e ao alto desempenho da função Analytics. De facto, com o avançar de todas estas tendências, o mercado global ficou não apenas mais rico em dados e em informação, mas muito mais necessitado de conhecimento. E nesta relação de forças é óbvio que a velocidade de produção de novos dados é muito mais rápida do que o nível de conhecimento fresco, útil e comprovado, razão pela qual existe um fosso colossal entre estas duas realidades, que se vai alargando na proporção do crescimento de novos dispositivos que criam e geram dados – Esta é uma das perspectivas mais simples e lógica de explicar o fenómeno do Big Data.
Vanity Data – Uma nova miopia…
A existência desta abundância de dados não tem facilitado o trabalho pensante e racional da empresa, em enfocar-se naquilo que realmente interessa ao seu negócio. Não havendo um trabalho de estratégia e organização interna em dados, haverá sempre lugar para a dispersão de recursos traduzidos em altíssimos custos dificilmente compensados com o próprio negócio.
A par desta corrente exponencial de dados, existem práticas que continuam a ser seguidas, apesar de terem sido inicialmente adoptadas de forma menos correcta ou demasiado simplista, desde os primórdios da indústria digital, onde a métrica que fazia a delícia dos analistas, à data, era a popular Page View.
Estes fenómenos de medição enviesada: Outrora com as Page Views e actualmente com os Likes no Facebook, apelam a uma espécie de miopia, quase comparável (num sentido muito próprio) ao termo que Theodore Levitt se referiu no início dos anos 60 no século passado, num artigo publicado na Harvard Business Review (“Marketing Myopia”) onde advogava que a empresa sofre de uma miopia de marketing quando apenas olha para a perspectiva fechada da sua produção, sem se preocupar em desenvolver uma ampla visão de mercado baseada nas necessidades dos seus clientes, estando apto a adoptar a produção de acordo com possíveis alterações no comportamento ou expectativa de consumo.
No caso em concreto, quando a empresa se enfoca demasiado numa métrica genérica que apesar de registar um aparente crescimento, não possui ou produz qualquer contexto analítico abrangente e sustentado em relação ao seu negócio ou a um determinado objectivo (visão holística) é comum apelidar esse tipo de métricas como Vanity Metrics ou Vanity Data – O aparente crescimento registado por estes dados provoca um sentimento de vaidade no analista ou no decisor, pelo efeito psicológico correlacionado com a performance supostamente positiva da informação.
Face à necessidade de rigor que deve existir no tratamento da informação, não é aceitável que ainda exista tamanha prática em redor das Vanity Metrics, sobretudo com o exponencial aumento da oferta formativa que tem vindo a surgir, justamente nestes últimos 5 anos, através de uma panóplia de cursos sobre Marketing Digital ou Social Media, onde a temática da medição deveria ser suficientemente aprofundada com o objectivo mínimo de combater esta “miopia”.
Esta realidade constitui actualmente um grande desafio cultural, que deverá levar as empresas a perceber o poder da informação de modo a reorganizar toda a sua forma de pensar e actuar. O investimento na formação de analistas é um dos caminhos a seguir, precisamente para colmatar a falta de profissionais com elevadas competências específicas em Data Analytics, qualificando devidamente as empresas que estão obrigadas a produzir relatórios e a gerar conhecimento.
A elevada complexidade e diversidade em termos de conceptualização e interpretação da grande maioria das métricas e outros indicadores produzidos pelas plataformas digitais mais populares, quando relacionados com o negócio directo das marcas (comunicação, publicidade ou vendas, por exemplo), obrigam a um rigor analítico que apenas está ao alcance de profissionais que se dedicam a tempo inteiro a essas tarefas, uma vez que só assim será possível desenvolver atributos muito particulares, nomeadamente, a sensibilidade interpretativa contextual.
A “explosão” de ferramentas para “medir” meios digitais também veio contribuir, de alguma forma, para esta realidade distorcida, permitindo criar no mercado uma ideia algo assumida que todos os dados originados por estas fontes são “facilmente” interpretados e que o processo de análise é praticamente todo ele “automatizado”. De facto, dificilmente a componente humana será substituida nas suas funções mais nobres, apesar do extraordinário avanço da inteligência artificial.
É importante relembrar que a grande maioria destas ferramentas foram desenvolvidas para trabalharem, praticamente, sobre os mesmos pressupostos (ligação às plataformas para obtenção do raw data essencial, cruzado com as métricas mais populares) o que significa dizer que o seu grau de inovação é discutível e deverá merecer sempre a devida ponderação quanto ao seu valor efectivo.
Gerir o investimento em meios digitais com fontes típicas de Vanity Data é um risco bastante elevado, que condiciona a aprendizagem genuina, limita amplamente o poder da visão informacional e obstrui o acesso ao conhecimento. Muitas das respostas que são dadas em inúmeros surveys a nível mundial que relatam uma baixa confiança nos dados, são justificadas precisamente pelo facto destes decisores (CMOs, CEOs e outras hierarquias de topo) apenas terem acesso a relatórios de gestão baseados, maioritariamente, em Vanity Metrics.
A melhor forma de corrigir estas práticas enraizadas em “miopia” é através da formação especializada, levando as empresas a aprender a distinguir o essencial do acessório, nomeadamente:
- Quantificar resultados abrangentes dentro de uma estratégia ou acção global da empresa, e não relatar apenas factos meramente isolados, sem contextualização.
- Perceber qual a correlação do crescimento de certas Vanity Metrics, de modo a qualificar a origem das suas causas, e perceber a lógica do seu racional.
Continuar a alimentar este tipo de informação coloca a empresa isolada do seu ambiente competitivo e nessa circunstância o preço da vaidade é certamente demasiado caro.