Uma das razões fundamentais para que as mudanças rápidas no ambiente competitivo sejam uma constante ameaça aos modelos de negócio instalados deve-se ao facto de poderem colocar em causa qualquer conceito estratégico (ou a sua ausência).
Com o avançar do ambiente digital na transformação dos negócios têm surgido naturalmente novos conceitos estratégicos que dominam imediatamente o debate público, mas um acompanhamento mais atento a este fenómeno permite perceber que alguns destes conceitos sempre existiram e que “apenas” evoluíram e ajustaram-se a estas mudanças.
Um destes exemplos é a popular “família” de métricas dedicada às posições de mercado: Share of Market (SOM) e Share of Voice (SOV) que viu reforçada a sua essência predictiva com a integração do Share of Searches (SOS) nesta era digital.
Embora com leituras específicas, estas métricas estão relacionadas entre si, porque partilham um racional comum – quota de mercado – e por isso mesmo têm vindo a ser estudadas num contexto de equilíbrio e de dependência nas suas dinâmicas, a exemplo da questão que John Philip Jones, autor e reputado especialista em Branding da Newhouse School of Public Communications, colocou há 30 anos na Harvard Business Review:
“Por que razão o volume de vendas e os orçamentos de publicidade da marca se movem em sincronia?”
Há 10 anos, e atenta à necessidade dos anunciantes compreenderem cada vez mais a relação entre estas métricas, a Nielsen referia que “mantendo-se os mesmos pressupostos dinâmicos, uma marca cujo SOV é maior que o SOM tem maior probabilidade de aumentar a sua quota no mercado”.
Foi a partir deste cenário que surgiu o conceito Excess Share of Voice (ESOV=SOV–SOM) como um indicador sobre a evolução futura da quota de mercado, nomeadamente, o quanto esta poderá vir a crescer em função do aumento que os anunciantes aplicarem no SOV, tal como exemplificou a Nielsen:
“Em média, uma diferença de 10 pontos entre SOV e SOM leva a um crescimento extra de 0.5% na quota de mercado. Portanto, uma marca com uma quota de 20,5% e com um ESOV de 10 pontos iria alcançar um quota de 21% num ano” – ou seja, o ESOV pode impulsionar este crescimento.
Mas importa referir que muito deste trabalho analítico ao longo do tempo foi baseado na indústria de grande consumo (FMCG) e não pode ser aplicado ipsis verbis a qualquer sector.
Por outro lado, o SOV considera o investimento em publicidade, que para além de reforçar o ponto anterior coloca numa posição quase marginal o marketing B2B em termos de comparação no uso desta rubrica.
Por estas razões, surgiu recentemente a importância de se observar o Share of Searches (SOS), não apenas pela sua universalidade no ambiente digital, mas porque também existem novas evidências sobre o seu potencial, nomeadamente ao nível do Excess Share of Searches (ESOS).
O Share of Searches (SOS) na perspectiva estratégica de longo-prazo
Existem várias abordagens do SOS a nível digital que são válidas, desde que o seu objectivo seja claro. Por exemplo: A quota de mercado de uma keyword; de uma hashtag ou especificamente a publicidade paga sobre uma determinada categoria de produto ou serviço, embora neste caso o conceito seja mais próximo do SOV.
Mas existe uma diferença fundamental no uso do SOS em relação aos exemplos atrás referidos e aquele abordado neste artigo, que caracteriza de certa forma a grande diferença entre as acções tácticas e as iniciativas estratégicas.
Enquanto os primeiros visam uma resposta imediata face a tácticas de curto-prazo (entre minutos a poucos dias) implementadas através de canais digitais, o tema deste artigo centra-se no potencial estratégico de longo-prazo das pesquisas orgânicas feitas no Google – Share of Organic Google Search Queries – com base no trabalho de investigação feito por Les Binet, Head of Effectiveness da adam&eveDDB (a agência responsável pela criação dos anúncios mais populares de Natal da cadeia britânica John Lewis).
Fonte: Les Binet, “A new metric: Share of Searches” (EffWorks Global 2020: Share of Search as a Predictive Measure)
Tal como Les Binet afirma, sendo o Google a maior base de dados do mundo em termos de intenção humana as pesquisas demonstram um nível relativo de interesse sobre determinadas marcas.
Contrariamente aos tradicionais estudos de mercado baseados exclusivamente em dados verbalizados pelos inquiridos, onde (quase sempre) é complexo garantir a espontaneidade nas respostas, na Google fica registado o que as pessoas fazem, o que pensam, como se sentem e o que vão comprar, porque é neste ambiente que o ser humano satisfaz quase todas as necessidades de resposta para questões relacionadas com a sua vida.
E tratando-se de uma métrica que explora intenções e interações específicas de pesquisa, a sua relação com o SOV proporciona um equilíbrio mais consistente na representação do funil de venda, considerando que o SOV aponta ao topo e o SOS mais para a área de conversão.
Em função do investimento em publicidade, será possível analisar o seu impacto no motor de busca e respectivos comportamentos intencionais de procura. E assim sendo, o SOS torna-se, cada vez mais, um indicador com maior potencial predictivo do que o SOV.
A relação entre SOS e SOM
Les Binet correlacionou 3 categorias distintas de produtos/serviços nesta investigação: Automóvel, Energia doméstica (gás e electricidade) e Smartphones, agregando as seguintes variáveis: Vendas, Pesquisas e Publicidade.
Nesta análise individualizada ficou evidente a correlação entre o SOS e SOM de forma transversal a estas categorias. No gráfico abaixo (Smartphones – LG), a linha azul (SOS) evoluiu para a posição da linha vermelha (SOM) em 6 meses, funcionando como um indicador previsional altamente pertinente para qualquer marca poder reagir em conformidade dentro deste período de tempo (janela de oportunidade):
Qualquer marca que esteja atenta à evolução do SOS nesta vertente poderá antecipar iniciativas no seu marketing mix ou tomar outras decisões estratégicas.
Fonte: Les Binet, “Share of Searches is a leading indicator”
O potencial predictivo do SOS
Em termos predictivos o SOS revelou um comportamento impressionante em termos de precisão face à evolução real da quota de mercado que veio a verificar-se, como é perceptível no exemplo abaixo (sector automóvel – Volkswagen).
Importa referir que nem sempre é fácil prever comportamentos com uma evolução tão pouco linear (significativas oscilações). Les Binet testou estes dados comparativamente com 4 ou 5 modelos previsionais mais usuais (YoY, crescimento anual constante, etc.) tendo verificado que o SOS evidenciou sempre maior precisão em períodos trimestrais.
Fonte: Les Binet, “An early warning system for brands?”
Este gráfico é também um exemplo pertinente para enfatizar que o comportamento das pesquisas pode indiciar resultados ambivalentes em relação às marcas, já que nos anos seguintes em relação a esta previsão a Volkswagen veio a sofrer a “crise das emissões poluentes”, originando um aumento no volume de pesquisas contrário à evolução da quota de mercado.
Neste aspecto, as pesquisas revelam apenas intenções de procura mas não o nível de sentimento subjacente às mesmas. Para complementar esta informação, Les Binet considera ser essencial o estudo de dados em social media num contexto de Sentiment Analytics (Analysis).
A influência da Publicidade (SOV) no SOS
Talvez o resultado menos surpreendente neste trabalho por ser demasiado evidente, mas que confirma de forma demonstrável e consistente a correlação do esforço da mensagem publicitária (SOV) na evolução do SOS, onde cada ponto azul representa neste exemplo 10% do mercado.
Fonte: Les Binet, “Advertising affects share of searches”
Mas o insight mais relevante nesta análise de correlação são os 2 efeitos que o SOV gera no SOS: Um efeito de curto-prazo e outro de longo-prazo.
Tomando como exemplo o impacto de 10% do SOV durante um mês (sector Automóvel, mas com o mesmo comportamento nas restantes categorias em análise) iremos assistir a um incremento do SOS (0.35%) num curto período de tempo (pico a laranja no gráfico) e posteriormente um efeito mais prolongado no tempo (área a azul).
Fonte: Les Binet, “Ads have two effects on search”
A repetição destes impulsos de curto-prazo do SOV (ad bursts) vai, por sua vez, criar uma evolução incremental de longo-prazo no SOS (área azul no gráfico abaixo):
Esta representação gráfica evolutiva é muito característica do trabalho conjunto de Les Binet com Peter Field sobre os efeitos das campanhas de marketing na construção e activação da marca que decorrem de formas distintas ao longo do tempo (efeito “ziguezague”).
Não havendo este conhecimento sustentado sobre o impacto do longo-prazo no processo de Brand Building, as marcas que apenas se focam em activações de curto-prazo acabam por investir recursos sem uma noção contextual de equilíbrio, quer a nível de investimento, quer no crescimento da sua notoriedade ou de outros activos intrínsecos.
Neste exemplo, uma marca com 10% SOV de forma constante, irá gerar eventualmente a mesma evolução em termos de SOS e consequentemente o mesmo nível de impacto no SOM.
A regra 60:40 na Publicidade sustentada a longo prazo
Esta análise estrutural do SOS permitiu também confirmar a conhecida regra da dupla Binet & Field (60:40 rule) através da qual é demonstrada que 40% das pesquisas têm origem no efeito SOV de curto-prazo e 60% através do efeito SOV de longo-prazo, exactamente nas 3 categorias de produtos/serviços.
Fonte: Les Binet, “Sustained advertising drives growth”
Esta questão fundamental leva-nos ao short-termism em marketing (“síndrome” da acção imediata) relacionado em particular com os canais digitais, onde existe um foco quase exclusivo para o momento, sem privilegiar o conhecimento a longo-prazo.
Enquanto a activação procura apenas uma resposta imediata, o processo de Brand Building opera mudanças na atitude mental das pessoas em relação à marca. É crítico perceber que pode haver um equilíbrio nestes 2 efeitos a favor da competitividade com repercussão no crescimento sustentado.
Bottom-Line:
O trabalho de Les Binet sobre esta métrica sugere um enorme potencial de rastreamento das marcas em vários cenários de curto e longo prazo, sendo por isso bastante pertinente e útil para ajustar o SOV nas iniciativas pensadas para o topo do funil e posteriormente para medir a eficiência das conversões ao longo do mesmo, no sentido de fortalecer o SOM.
A revolução digital trouxe várias ferramentas que são relativamente fáceis de medir no curto-prazo. Até aqui tudo excelente, mas “aquilo que medimos e como” afecta indiscutivelmente o que fazemos.
Vale a pena ir acompanhando a evolução deste trabalho.