The Analytical Creativity

A revolução ideológica das Next Tech – Do ensino às práticas de marketing

Next Tech image1

O conceito Next Tech tornou-se provavelmente no mais recente jargão a circular nos conteúdos de gestão e tecnologia ao ser considerado um elemento fundamental na evolução global do marketing revista por Kotler, Kartajaya e Setiawan na versão 5.0

As tecnologias que fazem parte desta visão (IA, processamento de linguagem natural, sensores, robótica, realidades mistas, internet das coisas e blockchain) não são propriamente uma novidade se analisadas individualmente, porque têm vindo a marcar uma forte tendência de evolução e a posicionar-se cada vez mais no quotidiano das empresas e na vida em sociedade, prometendo criar novos paradigmas verdadeiramente revolucionários.

Mas apesar desta frente tecnológica ser um tema importante, ao ponto de influenciar ad nauseam a discussão sobre o futuro do marketing, é igualmente crítico que a crescente popularidade destes meios e instrumentos só por si não deixe para trás a mensagem essencial daqueles autores.

Para lá das novas ideias sugeridas nesta 5ª vaga do marketing, e que constituem talvez o the next big thing para quem procura ler o livro, uma análise às suas “entrelinhas” coloca os temas de capa (tecnologia e humanidade) no centro de um profundo desafio ao conhecimento e às práticas de marketing para os próximos tempos:

  • A função marketing tornou-se definitivamente um polo tecnológico agregador dentro da organização mas continua a ter um papel demasiado tradicional na hierarquia em vez de estar no centro da inovação e a liderar esta veia transformadora para o futuro
  • Falar da humanidade em marketing está longe daquilo que é o propósito convencional das vendas, do lucro num modelo capitalista e de um pensamento de negócio ainda circunscrito ao Marketing 1.0

Estes desafios já de si representam um obstáculo difícil de ultrapassar, quer por questões de inovação, quer pela mudança de mentalidade implícita. A juntar a isto, importa dizer que o sucesso do Marketing 5.0 só terá lugar se estas barreiras forem contornadas em sintonia.

Vamos observar em detalhe cada uma:

1.  A replicação das capacidades humanas através da tecnologia

Iwan Setiawan (responsável pelo research da MarkPlus, Inc. – a maior consultora de marketing na Indonésia, fundada por Kartajaya) referiu recentemente sobre as Next Tech que estas tecnologias ao replicarem as capacidades humanas irão permitir elevar para um patamar superior as práticas de marketing numa próxima geração, e por isso lança o repto:

“It’s Time for Human-Like Technologies to Take Off “

O objetivo é criar uma nova experiência do cliente que seja atraente e sem fricção. Parece ser um tema eterno no vocabulário desta disciplina, mas à medida que a tecnologia vai tendo maior influência na vida das pessoas todo o processo de construção da experiência precisa de ser repensado à luz de novos factores de conveniência e percepção de valor.

No entanto, para que este resultado seja notável as empresas devem produzir uma simbiose equilibrada entre a inteligência humana e a computacional, assegurando desta forma competências únicas:

“The central discussion in Marketing 5.0 is around selecting where machines and people might fit and deliver the most value across the customer journey” – I. Setiawan

“In achieving it, companies must leverage a balanced symbiosis between human and computer intelligence” – H. Kartajaya

Paralelamente, Setiawan refere também a importância do ser humano ao nível das suas características intrínsecas como a base de referência para a replicação (human-mimicking) a partir destas tecnologias:

Humans are unique beings, blessed with unparalleled cognitive ability and a host of other uniqueness. Our brain develops cognitive skills through contextual learning: acquiring knowledge, finding relevance based on our own life experience, and developing our holistic views

Todo este contexto coloca em evidência dois tipos de conhecimento profundo: O meio tecnológico em causa e a genética do ser humano (através, por exemplo, da neurociência) por forma a ligar estes dois “mundos” numa plataforma de desenvolvimento que permita, a partir desse patamar, trazer acções concretas de marketing para o terreno.

No alt text provided for this image

Isto pressupõe que os marketers tenham acesso a estes dois “mundos” na sua formação fundamental de marketing, e que esta passe a ser um polo agregador das matérias que estão hoje a transformar o mundo e os modelos de negócio:

A combination of these technologies is the enabler of Marketing 5.0” – H. Kartajaya

O ensino da função marketing segue ainda uma perspectiva pensada para formar um “departamento de marketing” (que acaba por se preocupar apenas com a variável Promotion) e não para se estabelecer como uma força dentro da organização – ao nível de uma Agência de Inovação interna – que actue como um centro de criação de valor para potenciar a simbiose necessária para aplicar as ideias do Marketing 5.0 (entre outras).

O conhecimento tecnológico e neurocientífico de vanguarda aplicado ao marketing, nomeadamente aquele que permitirá trazer as Next Tech para o centro da discussão estratégica, é aplicado maioritariamente em “silos” (formação executiva, opcional, avulso, etc.) quando deveria ser o eixo principal da qualificação dos estudantes que aspirem a fazer parte de uma nova geração de gestores – os Next Marketers.

Temos vindo a assistir a experiências com algumas destas tecnologias mas sem um sentido holístico, onde a preocupação está mais próxima de promover uma imagem de early adopter ou tentar “replicar” o que a marca concorrente está a fazer do que efectivamente aumentar a capacidade da acção humana nas iniciativas de marketing orientadas ao cliente.

É determinante que surjam mais projectos de co-criação através de equipas multidisciplinares para quebrar estes “silos” na passagem do conhecimento, mas acima de tudo, há que estar aberto para a mudança onde esta é claramente necessária:

Marketers should not be intimidated by advanced technologies” – I. Setiawan

Observando os elementos-chave do Marketing 5.0, verifica-se que estes estão centrados em três aplicações inter-relacionadas: marketing preditivomarketing contextual e marketing aumentado:

No alt text provided for this image

Para que esta interação seja accionável sem fricção é fundamental que o marketing promova culturalmente a adoção de práticas revolucionárias no sentido de inspirar o ambiente empresarial a transformar a sua atitude.

E porquê esta questão cultural?

 “Those applications are built on two critical organizational disciplines: data-driven marketing and agile marketing – This approach, however, requires not only the backing of technology, but also, the right agile attitude and mindset – I. Setiawan

2.  Orientar o pensamento de marketing para o bem estar da humanidade

Apesar da humanidade e do seu propósito no marketing ser um cliché, a sua abordagem ganha sempre novos contornos perante cenários de crise que ameaçam a ordem mundial, mas importa ter em conta um aspecto: O marketing não é ensinado na sua essência como uma força para o bem.

Da teoria à prática, os fundamentos de marketing são tradicionalmente orientados para fomentar ideias de negócio e trazer uma oferta de produtos e serviços para o mercado visando o lucro económico na criação de riqueza.

Existem naturalmente muitas actividades filantrópicas que beneficiam da aplicação destes fundamentos ajustados aos seus objectivos altruístas, mas a génese do market (ing) sempre teve um pressuposto capitalista:

“Marketing is the enabler of Capitalism. It is the Engine of Capitalism” – Philip Kotler, 2016 (The Relationship between Marketing and Capitalism)

Nenhum negócio que vise o lucro converte a sua estratégia a favor da humanidade no overnight a menos que seja forçado como se viu recentemente e num pressuposto muito pontual.

Ou seja, espera-se que haja da parte dos gestores uma atitude focada nessa visão, em resultado de uma cultura alimentada pela experiência e dedicação, a exemplo daquela que o trio de autores nos mostra.

Marketing 5.0 não é apenas o resultado das mais recentes investigações sobre o avanço da tecnologia na gestão. É um natural upgrade da visão humanista que começou a ser cultivada desde Marketing 3.0, onde se previa que o aumento exponencial da tecnologia na esfera humana e económica nos iria trazer ao ponto onde estamos hoje.

Philip Kotler e Hermawan Kartajaya partilham um ideal de sustentabilidade económica há mais de 20 anos, num percurso que tem vindo a ser testemunhado através dos seus livros em co-autoria iniciado com Repositioning Asia: From Bubble to Sustainable Economy (2000) numa abordagem ao futuro da Ásia perante os desafios da Nova Economia.

Há portanto aqui um exercício de foco

“Technology can and must be leveraged for the good of humanity – Despite our in-depth focus on technology, it is important to note that humanity must remain the central focus of Marketing 5.0” – H. Kartajaya

O livro Marketing 5.0 é inspirado parcialmente na Sociedade 5.0, uma iniciativa proeminente do Japão para criar uma sociedade sustentável apoiada por tecnologias inteligentes, que equilibra o progresso económico com a resolução de problemas sociais através de um sistema integrado entre o ciberespaço e o espaço físico.

No alt text provided for this image

Este projecto resume a ideia de uma sociedade ideal, que fornece bens e serviços para servir de forma granular múltiplas necessidades, independentemente da localidade, idade, sexo ou idioma, revolucionando não apenas a indústria por meio da tecnologia, mas também os hábitos da população.

Pensar na humanidade de acordo com este exemplo é um exercício onde a estratégia do negócio deve ser estimulada para criar impacto como força de mudança. Isto implica olhar para um horizonte que, habitualmente, fica de fora dos interesses assentes em práticas de lucro fácil numa expectativa de crescimento rápido.

Decades of aggressive growth strategies have left the environment degraded and society unequal – I. Setiawan

Estamos perante enorme desafio para os Next Marketers, que passa em primeiro lugar pela adopção da tecnologia como um factor de mudança na sua forma de pensar todo o conhecimento de marketing no contexto do ponto 1, orientando-o para o bem estar da sociedade, trazendo definitivamente o equilíbrio humano e social para o centro da análise estratégica.

Isto significa dizer que deverão eles próprios tornarem-se melhores seres humanos, usando o poder da replicação por via das Next Tech – num sentido verdadeiramente humanitário – porque os negócios não devolvem de forma automática benefícios directos à humanidade e ao planeta se não existir uma alteração de mentalidade nesse sentido ou não houver em consciência um apelo genuíno para a criação de um lucro (capitalista) sustentável.

“Businesses are partly responsible for the unequal distribution of wealth. The markets expect companies to be the ones fixing it with a more inclusive and sustainable approach to pursuing growth” – H. Kartajaya

Apontamentos-chave:

1.   Todos os patamares de evolução do marketing publicados anteriormente (a partir do 1.0) estão relacionados com o avanço das revoluções industriais, através do aparecimento ou alteração de novos fenómenos que afectam comportamentos e processos numa dimensão estrutural económica. Convém não esquecer o papel da Economia na formação dos profissionais de marketing para que estes se alinhem rapidamente com estes racionais;

 2.   O marketing 5.0 vem reafirmar o conceito Martech: O peso do software e da corrente tecnológica na formação científica do marketing. Este conceito está no centro da criação de valor da Nova Economia e o marketing deve liderar este movimento como disciplina económica de raiz vocacionada para compreender os mercados e as pessoas;

3.   Esta 5ª visão do marketing foi publicada antes do recente hype sobre o Metaverse. Provavelmente muito do que já foi dito sobre este tema poderá vir a estar na base do próximo trabalho destes autores, dando ainda mais expressão ao papel da tecnologia na transformação do futuro dos negócios e da humanidade;

4.   No imediato fica a sugestão de um marketing orientado por dados, predictivo, contextual, aumentado e ágil que não se deve limitar a fazer apenas a tradicional “diferenciação” perante a concorrência, mas que antes faça a diferença na sociedade e na vida das pessoas.

Mas há todo um trabalho prévio para que o sucesso desta visão alavancada nas Next Tech venha a ser uma realidade:

Posicionar o marketing definitivamente como a força de inovação dentro das organizações, evangelizando um novo pensamento de marketing orientado para os problemas da sociedade, usando o seu polo agregador de instrumentos digitais na estimulação de novas ideias de negócio, atento à ordem económica (visão macro) e às carências e desejos do ser humano (visão micro) na base de um conhecimento tecnológico e neurocientífico de vanguarda.

CLOSE
CLOSE
error: Content is protected