Apesar de ser um tema já em agenda na indústria, há agora um “countdown” que vai parar em 2022 com implicações directas no Digital Ad Placement.
Segundo o IAB, o bloqueio dos third-party cookies pelo Chrome constitui a maior alteração estrutural no ecossistema da publicidade digital desde a introdução do real-time bidding (RTB) em 2009.
Considerando que actualmente cerca de 30% das impressões cross-device são geradas em browsers sem este tipo de cookies (Safari e Firefox) é expectável que a posição dominante da Google determine o fim definitivo destes cookies já que o Chrome é responsável por 65% da navegação remanescente.
Em Agosto do ano passado, a Google realizou uma experiência controlada no sentido de quantificar o efeito da desactivação destes cookies no retorno da publicidade programática dos 500 maiores publishers (em receitas geradas através do Google Ad Manager) tendo apurado uma quebra de 52% na receita média deste grupo.
Em termos médios por publisher esta quebra chegou aos 64%, sendo que a maioria destes editores de conteúdo registou perdas superiores a 50%.
Outra conclusão retirada deste estudo foi o baixo nível de interesse pelos anúncios não-personalizados (servidos sem third-party cookies) onde se verificou um aumento de 21% no seu fecho espontâneo pela audiência impactada.
Quando esta mesma audiência foi confrontada com uma lista de justificações para este fecho, houve um incremento de 29% na opção: “Vejo este anúncio muitas vezes” e de 21% na opção: “Sem interesse neste anúncio”.
Se dúvidas ainda existissem sobre a importância deste tipo de cookies para a publicidade digital, que lhes permitiu durante mais de duas décadas passar ao lado de inúmeros avanços tecnológicos na indústria de AdTech, este estudo reforça não apenas esta relevância como também o valor da personalização e da segmentação para as marcas que investem neste ambiente e que impulsionou o uso da distribuição programática.
Da ascensão ao declínio dos third-party cookies
Apesar de ter sido o backbone da publicidade digital (leia-se, display e native adversting) durante tanto tempo, houve vários factores que nos anos mais recentes determinaram o seu destino actual:
- A criação dos Ad Blockers: Um relatório recente conclui existirem mais de 760 milhões de utilizadores activos com bloqueadores cross-device;
- A Cookie Law: Implementada em 25 de Maio de 2011, abrindo caminho ao GDPR;
- O efeito GDPR: Em curso desde 25 de Maio de 2018 (e mais recentemente o CCPA – California Consumer Privacy Act – que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2020, sendo o primeiro acto legal desta natureza nos EUA);
- Restrições dos Web Browsers: Desde 2015 com o Safari seguido pelo Firefox em 2019
Qual é o impacto da desactivação dos third-party cookies?
Enquanto líder do mercado de web browsers, a decisão da Google tem um impacto muito relevante nas operações de processamento e medição de campanhas nos segmentos nativo e display, já que a desactivação destes cookies afecta vários processos-chave na cadeia funcional (programática e display network):
- Limites de frequência (frequency cap): Que permite limitar a frequência de exposição dos anúncios aos respectivos utilizadores impactados;
- Behavioral targeting e retargeting (remarketing): Que permite a segmentação de audiências com base em preferências ou interesses (anúncios personalizados) e outros processos dinâmicos de segmentação criativa;
- Identificação: Que permite às plataformas transaccionais (SSPs e DSPs) identificar utilizadores em todo o contexto web browsing;
- Activação de audiências através de DMPs: Que permite a criação de audiências para as mais diversas acções processuais de audience targeting;
- Decisões de Atribuição: Que permite a atribuição de conversões baseadas nos pontos de contacto com os anúncios
No entanto, esta situação não deve ser considerada uma “catástrofe” irreparável para a indústria, mas sim uma evolução da própria media digital perante os desafios estruturais, nomeadamente, a protecção da privacidade.
E foi justamente este tema que falou mais alto, ao ponto da Google o ter assumido como o novo bastião do Chrome em Agosto de 2019: “Building a more private web” iniciando um novo ciclo sob o nome: Privacy Sandbox.
O que é o Google Chrome’s Privacy Sandbox?
É uma nova abordagem da Google que tem como objectivo alterar o paradigma fundacional da navegação web relativo ao rastreamento generalizado entre websites e que se tornou a estrutura padrão sobre a qual toda a capacidade de fornecimento e monetização de conteúdos foi construída.
Esta abordagem está projectada em 3 pilares:
1. Substituir a funcionalidade que permite o cross-site tracking no contexto actual;
2. Desactivar os third-party cookies – Começando por criar uma separação entre os first-party cookies através do atributo SameSite (num processo que passou a ser obrigatório desde Fevereiro 2020 para acessos via HTTPs);
3. Atenuar caminhos alternativos que possam ser perversos (fingerprinting)
Na prática, a Google não elimina definitivamente a função dos third-party cookies nos aspectos que trazem valor para os anunciantes e publishers (tal como fizeram o Safari e o Firefox) mas pretende substitui-la por um novo conceito baseado em privacy-preserving APIs o que representa uma mudança completa na visão da indústria sobre o funcionamento dos browsers.
Como irá funcionar a publicidade no Chrome?
Estas APIs irão permitir que o navegador actue em nome dos utilizadores de acordo com regras fundamentais, nomeadamente, não permitir a identificação singular; criar segmentações baseadas em cohorts; medir de forma agregada e partilhar dados com conhecimento e consentimento prévio:
- Trust Token API: Muito semelhante ao racional do CAPTCHA, será solicitado ao utilizador do Chrome que forneça, apenas uma vez, dados de validação para provar a sua autenticidade sempre que necessário;
- Privacy Budget API: Limitará a quantidade de dados potencialmente identificáveis que os websites podem captar das APIs do Google, atribuindo a cada plataforma um determinado plafond que possa ser mensurável;
- Ad targeting API: Permite activar os anúncios de acordo com três métodos: contextual targeting, interest-based targeting e retargeting (remarketing);
- Conversion measurement API: Disponibiliza dados anonimizados sobre conversões por clique, permitindo que os anunciantes determinem quais as interacções que posteriormente resultaram em conversões;
- Aggregated reporting API: Fornece dados de suporte ao estudo de “use cases” sobre conversões de forma agregada numa perspectiva comportamental abrangente mas sem indicadores que relacionem utilizadores e as suas interacções
Embora as soluções de AdTech possam equacionar o uso de first-party cookies para forçar os processos de identificação (transformando-os em rastreadores com o mesmo propósito dos cookies de terceira relação) é previsível que o Chrome implemente medidas restrictivas neste sentido, à semelhança do que a Apple desenvolveu para o Safari, através do sistema ITP (Intelligent Tracking Prevention) ou da Mozilla através do ETP (Enhanced Tracking Protection) ou ainda da Microsoft através do MTP (Microsoft Tracking Prevention) para o Edge.
A conversion measurement API é a primeira a ser testada pela equipa de desenvolvimento do Chrome e também a que mais expectativa tem vindo a criar junto do mercado em virtude dos analistas acreditarem que a sua evolução será um indicador claro sobre os planos da Google para a restante parte deste projecto e também para a publicidade digital afecta.
Sabe-se que o objectivo final de todo este processo é transformar as APIs em padrões abertos da Web que, teoricamente, podem vir a ser adoptados inclusive por outros browsers. O facto do consórcio W3C (World Wide Web Consortium) estar envolvido no desenvolvimento deste projecto é um forte sinal da intenção da Google em tornar o Privacy Sandbox como o novo standard em todo o mercado de navegadores.
Qual é a resposta do IAB?
O IAB lançou um guia intitulado “A Guide to the Post Third-Party Cookie Era” (actualizado a Maio 2020) elaborado especificamente pelo IAB Europe’s Programmatic Trading Committee (PTC) onde explora todo o contexto deste tema de forma extensiva (pelo que se recomenda a sua leitura).
As orientações do IAB reforçam também a necessidade de serem tomadas, ou reforçadas, desde já algumas medidas preventivas que minimizem o impacto deste processo:
- Aproveitar ao máximo os dados de primeira relação (first-party data) e identificar cada vez mais oportunidade em ambientes conectados (logged);
- Explorar circunstâncias onde a mensagem das marcas seja partilhada com os públicos adequados e no momento certo usando soluções de segmentação contextual;
- Usar outros pontos de contacto que orientem as decisões de media reduzindo o desperdício e o ruído – os anúncios serem exibidos em ambientes não-humanos; terem uma baixa interacção ou figurarem em ambientes inseguros para a reputação da marca
Próximos passos
A Google anunciou em Janeiro deste ano que nos próximos 2 anos deixará de suportar cookies de terceira relação.
Até lá, a indústria irá certamente actuar em regime business-as-usual (muito em linha com o que se verificou com o RGPD – até à última…) mas os principais operadores de AdTech deverão dividir a sua atenção entre o momento presente e as implicações a breve prazo, ou seja, como tirar partido do Privacy Sandbox.
Há necessidade de planear o futuro, participando no debate em curso e sobretudo assumir um ponto de não retorno – Todo o esforço que resultar destes novos desenvolvimentos terá em consideração uma mensagem óbvia para toda a indústria:
O futuro da publicidade digital será definitivamente privacy-preserving