“Quando o Facebook afirma que uma mulher gasta 1.7 segundos a olhar para um post a nossa resposta passa por idealizar um anúncio de 2 segundos e não um TVC de 15 a 30 segundos…” – Quem o diz é Martin Sorrell, fundador do maior grupo de publicidade do mundo (WPP) e mais recentemente da S4 Capital.
“2020 será o ano do First-Party Data”
Entrevistado no final do ano passado por Matt Brocklehurst, responsável pelas plataformas de marketing da Google na Ásia-Pacífico (APAC), Martin Sorrell não tem dúvidas quando afirma que ao longo de 2020 o “marketing world” será fundamentalmente determinado pela trilogia que baseia o posicionamento da S4 Capital:
First-Party Data + Digital Content + Programmatic
Em termos práticos, estamos a falar de uma gestão rigorosa de dados de primeira relação, que incentivam a criação de conteúdos por via de insights consistentes, para que estes sejam distribuídos digitalmente de forma programática com o objectivo de proporcionarem um nível de personalização em escala.
O valor dos meios digitais na execução de toda e qualquer acção de marketing (basicamente, o valor do chamado “marketing digital”) está centralizado unicamente numa gestão eficaz de first-party data.
O acesso a este tipo de dados é hoje o principal veículo de conhecimento sobre o ecossistema comportamental humano num contexto social digital, que espelha e recria em muitas situações aquilo que as Pessoas são e fazem na sua vida real
Ou seja, não é um nível de conhecimento apenas para distribuir anúncios, mas, sobretudo, para os marketers aprenderem mais sobre o lado humano dos “clicks” e “registos” respeitantes a consumidores finais ou decisores profissionais (B2C, B2B, B2B2C ou B2X) no sentido de fortalecerem as ideias de negócio e de serem inspirados criativamente a desenvolverem novos conceitos de abordagem.
O poder dos “Jardins Fechados” (walled gardens)
Os dados first-party podem ser ID persistentes e estáveis (login); dados históricos de CRM; provenientes de relatórios específicos (surveys); geolocalização; endereços de e-mail, etc., considerados dados potencialmente identificáveis, mas geridos sob restrições de tratamento e partilha a nível legal.
A estabilidade numa relação de dados entre login, device ID e e-mail, por exemplo, permite atribuir graus de confiança em relação a um perfil, correlacionando segmentos com base em técnicas determinísticas ou probabilísticas.
Fonte: Luma Partners
A Google, a Apple, o Facebook a Amazon, entre outros grandes players utilizam este tipo de dados nos seus ambientes controlados (walled gardens) a partir dos quais estabelecem modelos de media para outros anunciantes beneficiarem destes inventários pelo valor que estes possuem na construção de segmentos e determinados cohorts.
A plataforma Nónio é um walled garden nacional composto por vários grupos de comunicação que têm os mesmos objectivos relativamente aos dados first-party captados e geridos por estes operadores.
Personalização em escala (personalization at scale)
As vendas são o motor dos negócios, mas aquelas que atingem uma dinâmica incremental ditam verdadeiramente o sucesso porque representam um valor continuado (lifetime value). E para se atingir este patamar é fundamental:
(1) Chegar ao conhecimento detalhado sobre as Pessoas, algo que as competências de analytics permitem extrair a partir da transformação dos dados first-party, e
(2) Trabalhar em factores de personalização que consigam escalar a relação one-to-one sem cair no erro contraproducente de se massificarem audiências
Tudo isto só é possível de alcançar através da conjugação de vários critérios e esforços que por vezes dependem do devido mindset:
1. Integração tecnológica (a single core brain)
As empresas legacy têm grandes desafios recorrentes de integração tecnológica devido às aquisições e fusões com outras empresas (diversidade de sistemas) mas os departamentos de marketing também passaram a ter de lidar com o mesmo fenómeno dentro de portas face à adopção de várias plataformas e ferramentas em apoio à sua actividade.
Num estudo promovido pelo Winterberry Group em parceria com o IAB, foi identificada uma média de 12 diferentes plataformas para a mesma área funcional, com a maioria das empresas a usar entre 5 e 10, mas havendo registo de quem use mais de 30.
Toda esta diversidade de ferramentas exige uma aprendizagem e dedicação quase em permanente estado de vigília sobre novidades e actualizações que pode desviar o foco daquilo que é crítico: Construir uma visão integrada e universal em regime first-party.
2. Descodificar os dados first-party
Procurar padrões e segmentos que permitam afinar metas de contacto com elevada granularidade a nível comportamental (micro-targeting, hyper-targeting, etc.).
Construir uma relação com esta proximidade é o activo mais importante na personalização e aquele que agrega valor aos inventários (data management platforms) e quem souber aproveitar esta vantagem altamente competitiva estará sempre bem posicionado para operacionalizar a estratégia de marketing.
A Accenture concluiu este sentimento através do seu relatório Personalization Pulse Check Report ao verificar que 91% dos clientes têm mais probabilidades de comprar produtos das marcas que os reconhecem, lembram e fornecem ofertas e recomendações relevantes.
3. Agilidade
Capacidade de responder aos sinais provenientes das Pessoas com triggers em tempo real para que as marcas consigam marcar presença nos momentary markets.
Um dos insights mais impactantes destes últimos anos sobre o mindset das Pessoas foi proferido em 2015 pela Google: “People are more loyal to their need in the moment than to any particular brand” – E a razão continua válida como se tivesse sido referida agora.
Cada indivíduo, em função dos seus desejos e necessidades, representa uma oportunidade para as marcas actuarem nestes momentos muito particulares através de experiências on-demand. Para que estas tenham o devido impacto é imperativo actuar na frequência e no tempo certo, razão pela qual Martin Sorrell defende um modelo programático que funcione em loop e em real-time no sentido de responder de forma sistematizada aos sinais de cada segmento.
É muito previsível que a inteligência algoritmica (artificial) venha a avançar muito em breve nesta etapa, já que todo o conceito de funcionamento da publicidade programática (eficiência na entrega potenciada pela automatização) só pode melhorar por esta via.
4. Privacidade (ou “como transformar o RGPD numa relação de transparência e honestidade”)
A questão da privacidade será um tema inesgotável enquanto existir risco no uso abusivo mas há aqui uma questão óbvia: Se os utilizadores percepcionarem valor e confiança no tratamento dos seus dados pelas marcas, certamente haverá maior abertura nas decisões de opt-in e menor bloqueio a conteúdos.
As Pessoas não aceitam o facto de darem acesso aos seus dados e não terem como contrapartida um tratamento digno ao nível da sua singularidade. Elas esperam das marcas um mindset em conformidade com aquele compromisso de troca
A entrada em vigor do RGPD criou uma enorme expectativa sobre o impacto que este processo pudesse vir a causar na manutenção das bases de dados e de certa forma implicar com práticas já rotinadas no contacto com os clientes.
De acordo com o primeiro estudo do IAB após o início do RGPD, envolvendo marcas distribuídas pelos principais mercados europeus de investimento publicitário (França, Alemanha, Itália e Reino Unido) os principais findings sugerem algum optimismo, apesar de este contexto ter registado um previsível ajustamento entre ganhos e perdas.
Analisando o sentimento expresso, 71% afirmaram que o RGPD teve um impacto na melhoria da qualidade dos dados sob custódia das marcas, havendo quem tenha referido especificamente: “It allows us to get access to more qualified categories of people for our loyalty programs, those who are using our service on a regular basis”.
Contrariando talvez alguma expectativa inicial, o investimento concreto em Programmatic Ads (um dos meios, apontado pelos analistas, que mais iria “sofrer” com o efeito RGPD) registou um incremento nos oito meses após o dia 25 de Maio de 2018. Mas o indicador talvez mais relevante, por afectar a relação directa com os clientes, foi que 68% das marcas confirmaram que o contexto RGPD permitiu um ganho ou reforço na confiança com a sua base de clientes. O Reino Unido liderou este sentimento (74%) em relação aos restantes mercados.
“Fit for future”
Na mesma entrevista, Martin Sorrell é peremptório em afirmar: “fit for format, fit for device, fit for future” – Eu acrescentaria em resumo: Fit for human.
Hoje as marcas têm verdadeiramente a oportunidade de crescer com as Pessoas da sua relação directa porque os dados e os canais de contacto permitem esta experiência numa perspectiva holística como nunca foi possível.