Gerir uma Task Force num cenário VUCA – A essência deste acrónimo surgiu no ambiente militar, onde a disciplina de Gestão tem vindo historicamente a inspirar-se para trazer alguns dos seus conceitos relacionados com estratégia e táctica ao mundo académico e empresarial, por analogia aos mercados em “guerrilha” potenciados pelos respectivos ambientes competitivos.
Embora a realidade actual não seja aquela que deu origem a este acrónimo (pós Guerra Fria) o seu conceito ficou definitivamente ligado à descrição de cenários altamente desafiadores e complexos na sociedade e no mundo.
Volatilidade, Incerteza (Uncertainty), Complexidade e Ambiguidade
Todos os factores que caracterizam a base fundamental deste conceito estiveram presentes no trabalho da Task Force, já que as equipas envolvidas tiveram de lidar ciclicamente com elementos voláteis, incertos, complexos e ambíguos, próprios da dinâmica associada à gestão da pandemia, nomeadamente na assumpção das directrizes a tomar em tempo real perante riscos, expectativas e imponderáveis que impactam com populações em larga escala.
Fazendo justiça às conclusões do próprio relatório original subjacente ao contexto VUCA (Broadening Army Leaders for the Volatile, Uncertain, Complex and Ambiguous Environment), as suas respostas apontam para a necessidade de assegurar uma adequada conjugação de competências e experiências que permitam usar o talento interno para ampliar as capacidades de desenvolver equipas preparadas para enfrentar este tipo de cenários – E foi esta, justamente, uma das várias prioridades na liderança desta Task-Force.
Considerando a realidade deste desafio – A maior operação logística em massa de que há memória no nosso país com os seus contornos (vacinar o maior número de pessoas no menor espaço de tempo) – será uma perda irreparável se todo o seu contorno estratégico e táctico não servir como pedagogia para uma parte significativa do tecido empresarial que ainda funciona à margem dos fundamentais da gestão moderna e que muito teria a aprender com este exemplo.
A inteligência no uso dos dados (intelligence) sempre foi um pilar determinante no desenho de qualquer operação militar no terreno. A sua analogia às estratégias empresariais é sempre oportuna, pertinente e necessária, mais do que nunca.
A Cultura de Analytics e o Poder do Conhecimento
Tendo como prioridade absoluta a defesa da vida, foram traçados objectivos e investidos recursos em diferentes quadrantes, onde os dados (mais uma vez) foram críticos para optimizar toda a capacidade humana nas suas várias frentes, através de uma rigorosa gestão analítica e funcional.
(Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens)
De acordo com uma das fontes consultadas é possível estabelecer a partir das iniciativas da Task Force a seguinte estrutura metodológica de acção para “combater” os factores VUCA:
1. DEFINIR OBJECTIVOS ESTRATÉGICOS:
“Os três objetivos definidos pelo vice-almirante: salvar vidas (o critério etário passou a ser o padrão do sistema); resiliência do Estado (vacinação de profissionais, como polícias, militares (cerca de 10% população); libertar a economia”
Estamos perante objectivos que se conjugam e não criam atritos entre si, em virtude de cada um sair potenciado pelo incremento dos restantes. É um exercício sempre complexo quando adaptado especificamente aos negócios e muito em concreto aos objectivos de marketing, porque é sempre mais fácil enumerar o que se quer fazer, sem equacionar a relação e o equilíbrio em todas as metas face ao seu grau de exequibilidade.
2. QUALIFICAR OS DADOS:
“A base de dados do SNS foi toda atualizada e revista, está tudo mais estruturado”
Antes de se avançar na tomada de decisões estratégicas há que perceber o nível de confiança perante os dados existentes, no sentido de se evitarem fenómenos como o GIGO (garbage in, garbage out), entre outros.
3. INTEGRAR AS VÁRIAS FONTES E POTENCIAR A VISÃO CONTEXTUAL:
“Foram desenvolvidas soluções centralizadas que acabaram com as entropias entre o local (centros de saúde) e o central”
Quanto maior for o alcance (scope) contextual, mais impactante será a decisão tomada e, consequentemente, o seu efeito prático. Paralelamente, a integração facilita a agilidade sistémica, contribuindo para novos patamares de eficácia processual.
4. CRIAR NOVAS CAPACIDADES:
“O modelo Casa Aberta com senha pode ser replicado para todos os serviços da administração pública. O sistema de semáforos também, permitindo que antes de ir a qualquer serviço as pessoas possam ver se está muita ou pouca gente”
“No caso do SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais), teve um upgrade total, atualizado, pensado em termos de economia de escala, selecionados os melhores percursos. É um novo serviço que está em condições de ser um grande agente do Estado para todos os hospitais públicos”
Uma vez qualificada e integrada, a base de dados permite evoluir na criação do conhecimento e com isso desenhar novas soluções nunca antes possíveis de idealizar e realizar com o mesmo nível de confiança e impacto.
5. MANTER A TECNOLOGIA AGNÓSTICA:
“Todas estas soluções que criámos são independentes das bases de dados e podem ser utilizadas por qualquer serviço”
O poder da tecnologia é ser um elemento “driven” de forma transversal e não estar dependente de pressupostos, padrões ou outros factores que coloquem obstáculos à sua capacidade funcional e/ou aplicacional. A tecnologia deve ser explorada até ao limite das suas potencialidades genuínas.
6. APOSTAR NO TALENTO MULTIDISCIPLINAR:
“No Estado-Maior da task force juntaram-se militares de elite (matemáticos, médicos, analistas, peritos em estratégia) do Exército, da Força Aérea e da Marinha, pouco mais de três dezenas, e seguiram os três objetivos definidos pelo vice-almirante”
As equipas colaborativas e multidisciplinares olham na mesma direcção para um objectivo comum, onde a principal preocupação de cada elemento é associar o valor da sua especificidade técnica individual a uma missão agregadora e global.
7. AGILIZAR O PROCESSO DE DECISÃO:
“há coisas que foram feitas que podem ser integradas nas instituições, como ter indicadores seguros sobre a realidade que permitem tomar decisões de forma fundamentada, encarando os problemas de forma agnóstica”
Em tempos de mudanças rápidas, as decisões precisam de acompanhar os pressupostos e o ambiente dos novos desafios que são colocados às empresas e às suas marcas, sem deixar de serem tomadas com base em dados qualificados (confiança = segurança) numa perspectiva sempre sustentada em relação aos caminhos possíveis.
O conceito de “Campo Magnético”
Como nota final destaco a visão desta teoria levada à prática, referida em particular por Gouveia e Melo:
“Aprendi a negociar até à exaustão porque essa negociação é a cola de toda a operação. Negociei e discuti ideias até haver quase consenso de grupo”
Ao haver consenso, as dinâmicas passam a funcionar como um campo magnético, onde “todas as partículas são atraídas para um ponto comum”, tendo como objectivo congregar as diferentes partes para um sentido único de missão.
Estabelecer uma Cultura de Analytics (data literacy) orientada para a criação do conhecimento de forma tão metódica como a estrutura que exemplifiquei neste artigo é uma tarefa que exige claramente liderança e capacidade negocial entre os pares, equipas e restantes stakeholders.
A tecnologia, tantas vezes utilizada até à exaustão no meio empresarial como um argumento para a mudança, tem neste ponto um papel que pode não ser decisivo, se a ideia fundamental para inspirar as dinâmicas culturais não for devidamente defendida ou demonstrada.
Gouveia e Melo e a restante Task Force souberam enfrentar um cenário tipicamente VUCA atribuindo a este acrónimo uma nova perspectiva, menos pessimista e talvez mais promissora para os próximos desafios: Visão, União, Competência e Ambição.
“Vale sempre a pena aprender” é um cliché que felizmente não se esgota. E com este exemplo que tanto impacto causou na vida das pessoas, as empresas e os empresários têm muito para reflectir do ponto de vista da Gestão para aplicar nas suas operações.
Boa rentrée!